Raposa (Cavalo de Ferro, 2018)

Raposa, de Dubravka Ugrešic

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Tradução de Guilherme Pires. Revisão de André Carvalho. Edição da Cavalo de Ferro.

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«Como é que as histórias se tornam matéria escrita? Tenho a certeza de que muitos escritores fazem esta pergunta a si mesmos, embora a maioria evite responder. Porquê? Talvez porque não sabem o que poderiam dizer. Ou talvez porque têm medo de que as suas palavras acabem por parecer-se com as do médico que apenas usa termos latinos com os seus pacientes (cujas fileiras estão, reconhecidamente, cada vez mais vazias!), com vontade de exibir a sua superioridade (quando é que isso esteve em causa?) e de os manter numa posição inferior (da qual não conseguiriam escapar mesmo que quisessem). Isto talvez explique porque é que os escritores preferem encolher os ombros e deixar nos leitores a convicção de que as histórias crescem como ervas daninhas. O que talvez seja positivo. Porque se alguém coligisse os muitos pensamentos que os escritores têm magicado sobre como as histórias se tornam matéria escrita, acabaria por ter nas mãos uma antologia de inanidades. E quanto mais óbvia a inanidade, mais acólitos se dedicam ao escritor.»