Kentukis (Elsinore, 2019)

Kentukis, de Samanta Schweblin

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Tradução de Guilherme Pires. Revisão de Madalena Gomes. Edição da Elsinore.

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Naquelas paragens, havia bosques e montes, que começavam a poucos metros dos enormes aposentos em que os tinham hospedado, e a luz intensa e branca não lhe lembrava os tons ocre de Mendoza. Isto era perfeito. Desejava‑o há alguns anos, mudar‑se para outro lugar, ou mudar de corpo, ou de mundo, qualquer coisa que lhe permitisse transformar a sua vida. Alina observou o «kentuki» — era assim que o designavam na caixa e que se lhe referiam no manual do utilizador. Estava no chão, sobre o carregador, ao pé da cama. A luz do ecrã da bateria mantinha-se ainda vermelha, e as instruções diziam que, quando se ligava pela primeira vez, devia carregar-se durante pelo menos três horas. Por isso, tinha de esperar. Tirou uma tangerina do balde e descascou-a enquanto caminhava pela sala, espreitando de vez em quando pela pequena janela da cozinha para verificar se alguém entrava ou saía dos ateliês. O de Sven era o quinto, mas ela ainda não tinha descido até ao piso térreo para o ver. Nunca antes o acompanhara numa das suas residências artísticas, pelo que estava a ser cuidadosa com os passos que dava, tentava evitar incomodá-lo ou impor-se nos seus espaços. Tinha decidido fazer o que fosse necessário para que ele não se arrependesse de a ter convidado.