Ensaísmo (Bazarov, 2020)

Ensaísmo, de Brian Dillon.

::

Tradução de Nuno Quintas. Revisão e coordenação editorial de Guilherme Pires. Design de Andrew Howard. Edição da Bazarov.

::

DO RECOMEÇO. «Grandioso enfim no seu absoluto isolamento…» — no meu caso, não é bem assim. Todo este ensaísmo melancólico, esta empresa de unir os fragmentos da minha essência presente enquanto escritor, enquanto humano: dependeu tudo da ideia de que ocorre em isolamento — só eu e os meus livros e a página. Lembras-te de teres citado o Terra Devastada — «Com estes fragmentos escorei as minhas ruínas» — e de eu ter a certeza absoluta, sem confirmar, de que devia ser «a minha ruína»? Foi assim que ouvi o verso em mim mais de metade da vida, e estava mesmo seguro disso. Estava errado, obviamente — são «ruínas». Parece-me agora que a minha variante, resultado de um erro de décadas, soa a indício de uma ansiedade persistente: os fragmentos amontoados para proteger da calamidade, o verso inteiro cristalizando a minha postura ansiosa, na vida e na escrita. Algo análogo a isto: Com estes fragmentos escrevi na certeza absoluta de que a minha ruína está a caminho, e nada mais me resta. E a tua variante do verso de Eliot? Podia querer dizer a mesma coisa, suponho, mas a calamidade multiplicou-se, o estado de emergência é de regra. Ao contrário de mim, ouviste correctamente «escorei» não como o levantar de uma barricada mas como um escorar, um amparar, um apoio: como se o nosso primeiro impulso fosse aprender a vida em fragmentos, em ruínas, com o movimento agregado de poeira e partículas entre passado e futuro.