Um Terrível Verdor (Elsinore, 2019)

Um Terrível Verdor, de Benjamín Labatut

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Tradução de Guilherme Pires. Revisão de Raquel Dutra Lopes. Edição da Elsinore.

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«Quando abriu os olhos, no ar flutuavam pequenas línguas de fogo, brilhando como as luzes de um cortejo de pirilampos. Já não sentia frio, as suas pernas já não tremiam. Estava lúcido e desorientado em simultâneo, como se tivesse acordado no coração de um sonho. O bosque estava irreconhecível; as raízes pulsavam como veias, os ramos oscilavam sem que houvesse vento e a terra parecia respirar sob os seus pés, mas ele não sentia nenhum resquício de ansiedade. Heisenberg tinha sido invadido por uma imensa sensação de paz, e considerou-a tão incomum — dadas as circunstâncias — que receava a possibilidade de, a qualquer momento, essa calma se transformar em pânico. Para o evitar, dedicou-se a observar o jogo das luzes: cobriam todo o espaço, caindo das copas das árvores ou brotando por entre as folhas que revestiam o solo. A maior parte desaparecia de imediato, mas algumas permaneciam tempo suficiente para gerar uma pequena cauda. Com as pupilas dilatadas, Heisenberg apercebeu-se de que esses rastos não eram linhas contínuas, mas apenas uma sequência de pontos individuais. Como se as pequenas luzes tivessem saltado de um lugar para o outro instantaneamente, sem passar pelo espaço intermédio. Hipnotizado pelas alucinações, sentiu que a mente se estava a fundir com o que observava: cada ponto da cauda surgia sem uma origem, e o rasto completo existia apenas na sua mente, que unia os pontos. Heinsenberg concentrou-se num deles, mas quanto mais tentava fixá-lo, mas difuso este se tornava. Arrastou-se pelo chão, a gatinhar, tentando apanhar uma das pequenas luzes com a mão, rindo-se como uma criança que persegue uma borboleta, e estava prestes a conseguir fazê-lo quando viu que tinha sido rodeado por uma legião de sombras.
Incontáveis homens e mulheres, com olhos enormes e corpos esculpidos a partir de fuligem e cinza, esticavam os braços para tentar tocar-lhe. Amontoavam-se em seu redor sem conseguirem avançar, zumbindo como um enxame atrás dos fios de uma rede invisível. Heisenberg acocorou-se para segurar a pequena mão de um bebé que tinha rompido o cerco e gatinhava a seus pés, mas um estouro pulverizou os vultos e deixou-o de joelhos, a esquadrinhar entre as folhas para tentar encontrar algum vestígio, algum resto de tais fantasmas. Encontrou apenas uma minúscula luz, a única que tinha sobrevivido. Apanhou-a com todo o cuidado, abraçou-a, encostando-a ao peito, e começou a percorrer o trajecto de regresso ao seu quarto, enfrentando um vendaval que lhe revolvia o cabelo e chicoteava as pregas do casaco, convencido de que o acto mais importante no mundo era evitar que aquela pequena luz se extinguisse. Encontrou a saída do parque e seguiu pela rua que o levava até ao edifício da universidade. Quando viu a janela do quarto, sentiu que alguma coisa enorme lhe seguia os passos. Espreitou por cima do ombro e viu uma figura negra que tudo escurecia. Desatou a correr, apavorado, mas ao tropeçar deu-se conta de que estava a ser perseguido pela sua própria sombra, projectada para trás pela luz que sustinha nas mãos em concha. Rodou sobre si mesmo para enfrentar o seu espectro, esticou os braços e abriu as palmas das mãos. A luz e a sombra extinguiram-se em uníssono.»