O Homem Infinito: Vida e Obra de Nadir Afonso
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Escrito por Guilherme Pires. Revisão de Madalena Caramona. Edição da Influência.
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«Dez de dezembro de dois mil e treze. Um homem com trinta anos está de pé. Veste um casaco. Aperta-o. Pega nas chaves de casa, guarda-as no bolso; agarra na do automóvel, fecha o punho. Sente um raro e incomensurável peso, como se tentasse suster um buraco negro na palma da mão. Sai de casa. Na mesma noite, outro homem, sessenta e três anos mais velho, está deitado numa cama onde cai a luz difusa e intermitente de uma máquina que faz por ele aquilo que os seus pulmões já não conseguem. Está deitado, mas parece pairar, tal a leveza.O mais novo sai de casa e faz tudo o que pode para se aproximar do mais velho. Vai puxando pelo fio que os une, atado pelas extremidades à mão de um e à mão do outro. À medida que o fio se encurta, tudo parece desfazer-se, minguar, mas cresce a proximidade entre eles. Nunca estarão tão próximos. Meia-noite. Um homem abre o casaco enquanto caminha, passo estugado de pássaro-de-mágoa, sob as luzes brancas dos corredores do hospital. A garganta daquele fim é silente e luminosa. Entra num quarto. Vê uma cama. O buraco negro na sua mão afinal era sol poente naquele colchão. Uma raridade vulnerável e que adormece. A mão esquerda puxa mais um pouco pelo fio, ligeira; segue-se a direita; de novo a esquerda; já não há linha para puxar. O homem mais novo, Artur, pega na mão do mais velho, Nadir. Acha que sentiu a mão do pai a apertar-lhe um bocadinho a sua; não tem a certeza. Diz-lhe tanto quanto pode. Observa-o tanto quanto pode. Fica ali tanto quanto pode. Larga-lhe a mão. Recua. Faz o percurso inverso.Se lhe perguntarmos quanto pesa um universo que se evapora, saberá dizer-nos exatamente quantos gramas susteve na mão. Que nunca lhe perguntemos tal coisa.»