Da Direita À Esquerda — Cultura e Sociedade em Portugal, dos Anos 80 à Actualidade, de António Araújo
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Revisão de Nuno Quintas. Edição da Saída de Emergência.
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«O empreendedorismo é marcado, desde logo, por uma obsessão bizarra, algo pedófila, em “caçar jovens talentos” (para com eles criar “massa crítica”). Depois, introduziram-se neologismos e códigos linguísticos onde avultam, por exemplo, alusões crípticas a espaços mais cómodos (“sair da zona de conforto”), a vertigem cartográfica (“vamos fazer o mapeamento das oportunidades”), a voragem da fuga mental (“temos de pensar fora da caixa”), a generosa troca de “contexto” (“preciso de mais contexto”, “vou dar-vos contexto”), as dádivas mútuas de “enquadramento” (“vou dar-vos um pouco de enquadramento”), a amigável “partilha” do que quer que seja (“deixem-me partilhar convosco”, “obrigado pela partilha”, talvez inspirado pelo share da linguagem informática), a busca de comodidade imaterial (“ficámos todos mais confortáveis com
essa solução”, “essa proposta é muito desconfortável”), as metáforas de construção civil (“buraco”, “alavancar”, “janela de oportunidade”), as alegorias obstetrícias (“incubadora de empresas”, “ninho de talentos”, “projecto incubado em Braga”), as soluções ansiolíticas (“ficamos mais tranquilos”), a ânsia de que tudo quanto se faça produza um resultado “impactante” ou, melhor ainda, “viral”. Há também uma realidade elusiva, a “curadoria dos dados”, que deve, como tudo na vida, ser “colocada em perspectiva”, obviamente.»